Deslocamento Humano, 2018.
Exposição PUC-Rio

Abstract

O presente texto é resultado de um ano de pesquisa, experimentações e discussões no workshop  "Superfícies de Contato", organizado pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio e pela Escola de Artes Peter Behrens, da Univerdade de Düsseldorf. Durante o período, o trabalho desenvolvido explorou o tema de êxodos e fluxos migratórios a partir de um estudo de caso do maior campo de refugiados do mundo até a materialização da pesquisa em uma instalação produzida com oito mapas .O Workshop está dividido em três etapas para melhor compreensão do processo e do resultado obtido. 

English translation soon.

1. Estudo de caso: Zaatari 

“Novas guerras não são mais um conflito direto entre nações, mas o resultado  de processos de fragmentação pós modernas de Estados e das partes em  conflito. (...) Guerras no passado eram disputadas entre Estados por  questões territoriais. Hoje, além de motivos econômicos, guerras acontecem  principalmente pela separação das oposições e partes envolvidas. No topo  desse conflito estão identidade, religião, ética e disputas tribais. (...)  principalmente direcionados diretamente contra civis como forma de  controle social e territorial, mais que contra forças inimigas.” 

No momento em que vivemos a maior crise social com mais de 60 milhões de  pessoas deslocadas e em busca de abrigo, o estudo de caso parecia fundamental  para começar a compreender de que forma chegamos a essa situação e qual sua  escala frente a crises sociais prévias. Desde 2011, a Guerra Civil Síria soma mais de  400.000 mortes e cerca de 5.000.000 de refugiados internacionais: a crise do país  tomou proporções que impedem qualquer abrigo temporário de cumprir seu papel  original e, muitas vezes, se estabelecer como um assentamento permanente. Dentre  os principais campos de refugiados da região e do mundo, o Zaatari chegou a  abrigar 200.000 refugiados em 2013 e hoje está reduzido a cerca de metade desse número.

A situação em que essas pessoas se encontram é por muitos desconhecida. Ao analisar as condições do campo, perfil da população, ONGs atuantes, rotina e  diversos outro fatores que compõem o campo, percebe-se o (aparentemente)  inevitável aprisionamento e ausência de qualquer conexão com o mundo externo por  parte daqueles que buscam apenas um abrigo temporário. Em uma pesquisa feita  pela UNHCR, boa parte dos atuais moradores de Zaatari alegam sequer ter intenção  de retornar às suas cidades natais – muitas delas destruídas pela guerra. 

Após primeira análise, colocar tal evento isoladamente sob as lentes de um  microscópio parecia falho e insuficiente. A necessidade de entender a formação  desses campos de refugiados gera uma busca pelos movimentos prévios que  levaram a esse nomadismo forçado e ao entendimento da tectônica de seus  elementos. Frente a isso, analisar os principais fluxos migratórios humanos tornou se o principal objetivo; uma vez que uma "solução" para um problema mundial  estava fora de alcance. 

2. Intramuros: a semana em Düsseldorf 

Durante uma semana, em parceria com os estudantes de pós-graduação em  Design e Arquitetura, David Mergelmeyer e Sarah Regensburger, respectivamente, o  trabalho tomou novos rumos - essenciais para a terceira etapa. O estudo de caso  fora colocado de lado para dar espaço a experimentos físicos cuja atenção estava voltada à tectônica das tendas fornecidas pela UNHCR nos campos de refugiados. 

Baseado no livro "Os quatro elementos da arquitetura", de Gottfried Semper,  estruturamos essa semana de pesquisa em torno de uma pergunta: "quantas linhas  são necessárias para formar uma superfície?". Analisando o trabalho de artistas  como Ernesto Neto, Gego, Lygia Clark e de arquitetos como Frei Otto, algumas  características foram observadas que relacionavam-se às tendas e suas variações  construídas pelos moradores. Dentre delas, destacam-se:

flexibilidade, regularidade, nós, pontos de apoio, tensão, compressão, tramas, camadas, fio único, superfícies retorcidas, malhas, interação 

Em uma pesquisa de certa forma fenomenológica, exploramos diversos  materiais, estruturas e escalas buscando compreender como poderíamos, a partir de  um único material, criar espaços e como nosso corpo relacionar-se-ia com ele. Utilizamos cordas, plásticos, linhas de costura, nylon, panos e lã. O trabalho  contínuo de 5 dias inteiros levou a um resultado satisfatório. Inventamos um nó e a  partir de uma linha contínua fixada em apenas 3 pontos (2 superiores e um inferior,  ou ao contrário), poderíamos criar uma superfície que alterava-se pelo simples puxar  da extremidade restante. A instalação apropriou-se do espaço e de forma quase automática e atraiu a todos para caminharem em volta e experimentarem o campo criado. 

O trabalho foi apresentado no último dia do workshop com fotos do processo  e sob o nome de "Die umfriedung": o que na mais próxima tradução ao português seria "O Recinto". 


3. Os oito mapas 

Refugiado: “uma pessoa forçada a sair de seu país por motivo de guerra,  perseguição ou desastre natural

De volta ao Rio, encontrei-me diante da dificuldade de unir a pesquisa que  havia desenvolvido com o experimento em Düsseldorf. Porém, a necessidade de entender os fluxos migratórios como um acontecimento contínuo e não eventos  isolados ainda estava latente. Após uma série de pesquisas de mapas e estatísticas, levantei os dados  necessários sobre os oito principais fluxos migratórios humanos. Seriam eles, por  ordem cronológica:

1. Homo Sapiens; 2. Grandes Navegações; 3. Tráfico de  Escravos; 4. África - Europa; 5. Diáspora judaica; 6. Sudeste Asiático; 7. México - EUA; 8. Guerra civil Síria 

Durante o processo, recordei-me de uma exposição que havia visto no MoMA  de Nova Iorque, chamada "Insecurities: Tracing Displacement and Shelter". Em uma das paredes cinzas da sala, a obra "Woven Chronicle", da artista indiana Reena Saini Kallat, estava diante de um modelo das tentas da UNHCR que eram montadas  nos campos de refugiados. Nesse momento, a ideia de construir os oito mapas de  forma semelhante à estrutura das tendas apontava para o produto final do trabalho. 

Três pontos principais guiaram a construção dos mapas: uma moldura rígida de madeira (semelhante à estrutura tubular das tendas), pontos de apoio (pregos no  perímetro interior semelhantes aos pontos de apoio da tenda no chão) e um rolo de  barbante tensionado entre eles. A instalação buscava materializar os fluxos  migratórios e oferecer ao observador uma percepção dos mesmos no que diz  respeito a seus focos geográficos e continuidade temporal. 

O perímetro interno é dividido em 60 pontos que, por proximidade geográfica,  representam países e regiões do mundo. A tecelagem, a partir de um único fio, gera  malhas de diferentes densidades, o que permite analisar a participação que os  países têm, acolhendo ou expulsando seus habitantes. Por fim, posicionados em  paralelo, os oito mapas criam uma continuidade visual que reforça a relação entre  tais eventos e permitem, através da sobreposição, o entendimento dos fluxos como  uma unidade que levou ao cenário com que estamos lidando hoje. 

Diagrama Mapa-01.jpg
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