A pesquisa cromática de Henri Matisse

Abstract

A pesquisa cromática e o distanciamento do jogo das correntes artísticas, após o breve fim do  Fauvismo, marca a obra de Matisse como uma obra autônoma da cor e de sua produção.  Influenciado principalmente pelas obras de Paul Gauguin e Cézanne, a expressão e investigação  pictórica de Matisse viria a repercutir e dialogar com artistas modernos como Kandinsky e Rothko,  e até mesmo contemporâneos como Cildo Meireles e Yves Klein. 

No presente texto vislumbramos os motivos pelos quais a cor, livre de quaisquer predefinições  acadêmicas, passa a ser vista não mais como um adjetivo da forma, mas como protagonista de  quadros. Deixa de ser secundária para estruturar telas e influenciar a forma com que se pintava e  enxergava o mundo. 

Em um primeiro momento, a subjetividade oriunda do Romantismo é retomada através de um  sujeito cada vez mais presente que expressa-se através de uma cor autônoma, livre da modelagem  tonal e em seu estado mais fundamental. Contudo, sua influência iria além da expressividade da cor.  A autonomia concedida às cores e tons ao longo de sua produção abre caminho para experiências  coloristas e monocromáticas.  Passando por seus precedentes artísticos, que iniciam a libertação da cor acadêmica, até sua fase  final, que culmina na Capela do Rosário, analisaremos a obra de Matisse e sua importância para o  cenário mundial da Arte. 

English translation soon.

Precedentes e o Fauvismo 

No período compreendido entre 1563 e 19071, podemos separar 3 principais momentos da  produção artística européia: a Arte Acadêmica, que duraria até o fim do século XIX, o  Impressionismo e suas reverberações próximas: Neo e Pós-Impressionismo, e o Expressionismo.  Para analisarmos a produção artística de Matisse como um todo, sua inserção na vertente Fauvista  do Expressionismo, suas consequências e repercussões, é preciso compreender as mudanças de  entendimento da cor e sua função na arte até este período. 

A Cor como adjetivo da forma 

Elevada ao patamar de atividade mental, a arte sistemática e regrada do conservadorismo academicista limitava o uso da cor ao preenchimento de um desenho escasso de valor. Agregava  significado a uma forma de acabamento fino e representativa. A Arte estava diretamente  relacionada à representação mimética do mundo. A pintura fidedigna às cores e sombras que  enxergavam-se pouco dizia sobre a interpretação dos pintores ou sua reação diante àquilo que se via  e vivia. Sob o ponto de vista platônico, era uma tentativa incompreensível de aproximar a  representação do mundo sensível; isso é, difundir os limites entre a pintura e o mundo real. O traço  do pintor era imperceptível em uma busca quase que obrigatória da perfeição. 

Até tal momento, Arte era execução; atividade manual. A tela pintada era uma janela da realidade:  uma verossimilhança a fim de iludir quem observava. Dois séculos depois, tal pensamento seria  colocado em questão pela própria Arte, principalmente no início do século XX, no que ficou  conhecido como as vanguardas artísticas. O pintor surrealista René Magritte, em muitos de seus quadros, trata de uma metalinguagem sobre a função da arte. Sobre a tela “La Condition Humaine”  (1933), diz: 

“Em frente a uma janela vista do interior de um quarto, coloquei uma pintura representando  exatamente aquela porção da paisagem coberta pela tela. Assim, a árvore na pintura esconde a  árvore atrás dela, do lado de fora do quarto. Para o espectador, ela estava tanto dentro do quarto,  na pintura, quanto fora, na paisagem real." 

Uma Cor passiva, óptica e reverberante 

Na segunda metade do século XIX, o impressionismo começava a dar espaço a tais movimentos  modernos e vanguardistas 2  que surgiriam menos de um século depois. A quebra da janela  renascentista significava uma mudança na função da arte. Não mais representacional, a arte passaria  a ser sensível, expressiva – e posteriormente, decorativa. A ânsia pelo registro preciso dava lugar às  sensações e às expressões de um eu lírico que pintava subjetivamente seu olhar do mundo e  colocava-se diante dele. 

A percepção impressionista era um primeiro distanciamento de uma relação passiva e óptica para  com o mundo. Seria a experiência primitiva básica 3, materializada de forma empírica. A cor  começava a abstrair-se de sua função como signo e assumir uma posição autônoma de tons de  pigmentos no quadro como um todo. 

“Simplesmente penso: aqui está um pequeno quadrado de azul, aqui uma figura oblonga rosa,  aqui uma risca amarela; agora pinte, exatamente como lhe parecem, a cor e a forma exatas, até  que lhe forneçam sua própria impressão ingênua da cena.”4 

Um dos quadros que mais marcaram esse rompimento, no que diz respeito à cor e tema, com a  pintura mimética foi “Olympia” (1863), de Édouard Manet. Retratando cena quase idêntica à  “Vênus Adormecida” (1510) de Giorgione e à “Vênus de Urbino” (1538), de Ticiano, o quadro do  pintor realista foi extremamente criticado pelo público no Salão de Paris de 1865. Quebrando uma  sequência de quase quatro séculos de pintura acadêmica, a tela de Manet trazia sombras claras, a  sensualidade de uma mulher deitada nua, o contorno definido e a perspectiva distorcida. Contrário  ao que o público entendia como a arte a ser valorizada, o quadro foi rechaçado e classificado como  “imoral” e “vulgar”.  

Em "Boulevard des Capucines" (1873), de Monet, o amarelo da vegetação confunde-se com os  prédios em segundo plano a fim de retratar a iluminação natural naquele instante. Segundo o pintor,  devia-se olhar as coisas em termos de sensações distintas para construir o efeito da cena inteira.  Uma produção extremamente visual e sensível que explorava novas paletas, temas e formas de  pintar. Os palpáveis petites touches, as cores não interpretadas como signos e os temas cotidianos  ainda estavam distantes de uma expressividade dos pintores. O foco estava no instante: o  movimento e as cores

Nesse momento, a cor que reverbera nos quadros impressionistas ganha, também, espessura. As  pinceladas entendidas como unidade última dos quadros possuíam relevo e densidade. A superfície  da tela era separada do real em toques de cores desiguais e sutis que variam de pintor para pintor, como uma marca pessoal e expressiva (Schapiro, M.); criavam-se manchas e estabeleciam relações  cromáticas sem seguir uma fórmula de representação do mundo. 

A Cor como expressão 

Pouco depois e influenciados pelas gravuras japonesas, Van Gogh e outros pós-impressionistas dão  continuidade à pesquisa cromática no que diz respeito ao uso de cores como forma de expressão.  Com uma paleta de cores mais clara e dramática, Van Gogh estabelece o primeiro momento da  pintura como atividade espiritual. A massa pictórica verde e vermelha usada de forma mais  arbitrária e exagerada nos quadros do pintor holandês assume o lugar dos tons ocres de seus  primeiros trabalhos – como “Os comedores de batatas”, 1885. Cria-se uma atmosfera dramática. A  construção de um palco de um “eu” que não se encontra no real. O drama visual era uma expressão  da angústia do pintor. Uma ânsia de comunicabilidade e necessidade de se expressar.  

De modo geral, o expressionismo em todas suas vertentes dava lugar a uma manifestação que vinha  do interior para o exterior. Era a criação de uma realidade expressa ativamente por um eu lírico que  estranha e reage ao mundo, em oposição à tendência impressionista extremamente sensorial. A  principal vertente do expressionismo surgiu na Alemanha no século XX. O Die Brücke (“a ponte”), originado em Dresden e Berlim (1905-1913), desencadearia na Blaue Reiter (“o cavaleiro azul”). Tendo Kandinsky e Paul Klee como principais pintores, publicaram um almanaque em que  afirmava-se a vontade de direcionar a arte ao abstracionismo; ao distanciamento da figura como  referência através de formas, cores, linhas e pontos. Buscavam a autossuficiência tanto na pintura quanto na linguagem. 

Propõem em contraposição a um realismo que apenas capta, um realismo que cria a realidade.5 Opera-se sobre os temas cotidianos e percebe-se nos quadros um incômodo. Comunica-se através  da imagem. Uma imagem que não é, mas que se faz ser a partir de uma ação. 

Por outro lado, o Fauvismo surge na França em 1904 sem uma doutrina definida. Ao contrário da  pesquisa formal alemã, o foco francês estava no livre uso da cor e no uso desta como expressão de  um sujeito. Com um núcleo formado por Matisse, Derain e Vlaminck, e de certo modo liderado  pelo primeiro, o Fauvismo foi um movimento extremamente experimental. Construía-se a partir  dos recursos da cor 6 e não mais uma natureza conforme observada. 

A pesquisa cromática é, também, uma pesquisa plástica. Os fauves lidam com o dualismo entre  sensação e construção; respectivamente: cor e forma. Operam a construtividade intrínseca da cor  como elemento estrutural da visão. Desenhar com a cor. Enquanto para Van Gogh a arte era  experiência espiritual, os fauves lidavam com uma experiência existencial. Desprender-se da cor do  objeto e explorar contrastes e cores complementares era uma reação emotiva àquilo que se  observava. Era entender a cor como percepção da cor. Paulatinamente, a produção artística  aproximava-se mais de uma poesis que da mimesis.  

“O que busco acima de tudo é a expressão. Não consigo distinguir entre meu sentimento da vida e o modo como o traduzo.” 

Luxe, Calme et Volupté, 1904, Henri Matisse, 98.5x118.5cm, Musée d’Orsay, Paris

Luxe, Calme et Volupté, 1904, Henri Matisse, 98.5x118.5cm, Musée d’Orsay, Paris

Em “Notas de um pintor”, Matisse coloca sua pesquisa cromática como uma busca por uma arte de  equilíbrio, pureza, tranquilidade; sem temas inquietantes ou preocupantes: um calmante mental. O texto escrito pelo pintor francês deixa claro sua autocompreensão da arte que produzia e seu  posicionamento diante de outros artistas que o antecedem ou que a ele são contemporâneos.  Analisaremos mais a fundo sua pesquisa que tanto contribuiu para o desenvolvimento de nossos meios de expressão plástica. 

Para o pintor fauvista, as impressões fugidias de Monet e Sisley eram instáveis, pouco distantes  umas das outras e resultavam em quadros quase sempre semelhantes. Considerando essa primeira  impressão como superficial, era necessária uma busca pela essência, pelo caráter mais verdadeiro de  um momento a fim de organizar sensações e poder, assim, retomá-las posteriormente. O  autodomínio estava diretamente ligado à dicotomia entre momento e duração; traduzidos em seus  quadros pela composição de cores que se sustentam em um interminável crescendo (ARGAN). 

A partir do entendimento de que o momento captado pelos impressionistas era apenas um  momento da natureza, aproxima-se de Paul Cézanne e das inovações trazidas pelo pintor pós impressionista. Para Matisse, os quadros de Cézanne ainda representavam um momento: porém,  um momento do artista. Cada quadro é único e traz uma emoção nova. Obter um caráter de  estabilidade para gerar uma interpretação mais duradoura da realidade era o desafio de Matisse. Ao  longo de sua vida, exploraria essa busca pela essência do momento principalmente através do  empirismo de sua pesquisa cromática. 

Em paralelo, no que diz respeito à construção do quadro como composição, Matisse fora demasiado influenciado pelas obras de Cézanne. A perspectiva chapada e simplificada gerava uma  necessidade de que as cores estruturassem o quadro. Matisse herdaria do pintor o distanciamento  da perspectiva óptica e da ausência do céu como respiro; porém, enquanto Cézanne trabalharia com  uma paleta de cor reduzida a tons de ocre e verde, ele exploraria tons mais vibrantes e primários. 

A estruturação do quadro se dava, então, de forma aditiva. O acorde cromático que compõe o todo  é construído pela relação entre cores adicionadas uma sobre a outra, de modo a sustentá-las e não  diminuir a importância da anterior. A expressão das obras de Matisse estava primordialmente na cor, mas também nos corpos, nos vazios e proporções. É preciso ter desde o começo uma visão  clara do conjunto, considerando que a harmonia entre tons poderia levar à uma distorção da forma  para modificar a composição. 

Ao longo de sua vida, Matisse explorou diferentes técnicas e paletas de cor, sempre buscando o  equilíbrio compositivo e a transmissão de suas sensações de forma estável e duradoura. Não  apoiava-se em nenhuma teoria científica, mas sim na sua observação e sentimento. Almejava  capturar o espectador sem que este tivesse consciência disso. Como afirmado no início deste texto,  sua produção transpassa os limites de qualquer movimento artístico. A pesquisa empírica de uma  vida dedicada à arte que expande os limites até então estabelecidos para a pintura. 

Analisaremos três obras de Matisse para compreender de que forma essa pesquisa cromática, recebida pelo público com perplexidade, influencia a percepção da cor como elemento autônomo. Nos primeiro caso, "Le Bonheur de Vivre", 1905, exploraremos a relação com a cor na obra de Kandinsky, contemporâneo ao pintor francês. Em seguida, sobre "The Red Studio", 1911, destaca-se as reverberações na arte de Mark Rothko e na arte contemporânea de Cildo Meireles. No terceiro e último estudo, não de uma obra específica, mas sua série de "cut-outs", perceberemos como o novo método explorado pelo artista expande o campo da pintura para as colagens no fim de sua vida, culminando em sua obra-prima: a Capela do Rosário, em Vence.

Le bonheur de vivre, 1905-1906, Henri Matisse, 176.5x240.7cm, Barnes Foundation, Philadelphia

Le bonheur de vivre, 1905-1906, Henri Matisse, 176.5x240.7cm, Barnes Foundation, Philadelphia

O único quadro exposto por Matisse no Salão dos Independentes em 1906 já começava a distanciar-se de sua produção mais fauvista. Pintado a partir de um estudo feito em Collioure, na França, o quadro é considerado uma das principais obras do pintor francês. Percebe-se a influência de  pintores como Antoine Watteau, Nicolas Poussin até Paul Signac (Matisse coloca-se contrário ao  pontilhismo de Signac através das manchas cromáticas), Cézanne e Maurice Denis. 

A cena pintada já havia sido retratada, de certo modo, em muitos quadros dos artistas citados. A  composição formal, em um primeiro olhar, remete a diversos quadros anteriores: árvores nas  laterais de troncos robustos cujas copas encontram-se no topo do quadro; o horizonte do mar ao  fundo mescla-se com o céu, enquanto pessoas ora reclinadas, ora em movimento, compõem o primeiro plano. Contudo, seja nas paisagens rococós de Watteau, no pontilhismo de Signac ou nos  banhistas de Maurice Denis e Cézanne, jamais havia sido colocado de forma tão vanguardista, no  sentido radical da palavra, o hedonismo harmônico da relação entre a natureza e os seres humanos. 

Ao deparar-se com quadro de tamanha magnitude, tanto quanto a sua importância quanto a seu  tamanho físico, as cores saltam aos olhos em uma harmonia cromática surpreendente. Há tempo o  foco não estava mais na forma e sim, na cor. A proporção já havia sido deixada para trás. Os  corpos já sem muita proporção alternam de tamanho independente de sua posição no campo  construído na tela. Não são as formas que compõem o quadro e muito menos uma perspectiva  ilusória. Ao mesmo tempo, não fala-se mais da cor apenas por seu distanciamento da cor local. As  cores vibram, sensualizam, extrapolam o limite das linhas e compõem o quadro através de manchas  que se equilibram harmoniosamente. Não há cor que salte mais que outra, muito menos que  diminua a importância de um tom na tela. O equilíbrio envolve todas as cores e as formas que as acompanham. 

Contemporâneo a Matisse, Kandinsky coloca-se sob estudo cromático semelhante, porém mais  voltado à forma. Em suas obras que partem de paisagens para formas "soltas" no espaço da tela, o  pintor russo tende ao surrealismo a partir de elementos como linhas, pontos e superfícies; enquanto 

Matisse se atém mais à cor como elemento primário. O protagonismo dado às cores em Bonheur  de Vivre, jamais fora dado nos quadros de Kandinsky. Sobre a obra de Matisse, Kandinsky afirma: 

“…Matisse estabelece muito estresse na cor. Como Debussy, ele não pode se libertar da beleza convencional. Impressionismo está em seu sangue. Então, encontramos uma grande vitalidade interior em algumas de suas pinturas produzidas por uma necessidade interna. Novamente, seus quadros resultam inteiramente de um charme externo. 

Poder-se-ia fazer uma analogia ao trecho em "Notas de um pintor", em que, referindo-se a sua formação artística, Matisse afirma: "Monet é grandioso, Cézanne busca o mais clássico. (...) e Manet são meus mestres favoritos". É perceptível a influência de tais pintores impressionistas em sua obra. Porém, seria insuficiente limitar a obra de Matisse ao retrato de um momento da natureza. Como dito acima, ao contrário do afirmado por Kandinsky, tal ação seria superficial e vazia de significado. A harmonia construída pela cor é mais profunda e estável. 

Podemos afirmar que a libertação da cor dada por Matisse abre espaço para artistas como Jackson Pollock, Barnett Newman e Frank Stella; coloristas que abstraem por completo da forma, para trabalhar unicamente com cores e tons. 

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“L'Atelier Rouge”, 1911

A ilusão espacial criada por Matisse através da cor vermelha é considerada por muitos uma de suas  principais conquistas. Ao pintar seu ateliê de forma monocromática, a arquitetura da sala mescla-se  com o mobiliário - aqui representado apenas por um fino contorno branco - e impede a criação de  profundidade no cômodo. A tinta sobre a tela reforça a planaridade da superfície em detrimento do  

espaço tridimensional que o espectador estava acostumado a ver nas obras de arte. Em meio a  imensidão vermelha que pulsa em direção a quem está diante à obra, destacam-se suas esculturas,  telas e cerâmicas. No centro do quadro, um relógio sem profundidade ou ponteiro nos remete a  uma pausa no tempo. Um tempo flutuante que reforça a sensação de harmonia e conforto que  Matisse busca incessantemente. 

A paleta de cor limitada e quase monocromática é semelhante a de "The Dessert: Harmony in Red", de  1908. No primeiro, ainda percebe-se grande influência das perspectivas chapadas de Cézanne e a  fábrica do tecido como elemento unificante das três dimensões em uma. O tecido desce as paredes,  cobre a mesa e cria uma unicidade que percorre todo o quadro. O ritmo dos desenhos em azul  harmonizam com a paisagem retratada na janela. Aqui, tais elementos desaparecem. O vermelho  estrutura o quadro e cria a superfície que sustenta suas obras. A perspectiva some (literalmente) no  encontro das paredes no lado esquerdo da tela. 

Para além da tela do pintor francês, interessa-nos a influência de sua obra e pesquisa cromática na  arte de Mark Rothko e Cildo Meireles. Analisaremos, primeiro, o pintor norte-americano. 

Rothko ficava horas em frente ao The Red Studio quando este foi exibido no MoMA, em Nova  Iorque, em 1949. A reverberação da cor vermelha o impressionava: "você se torna aquela cor, você fica totalmente saturado com ela". Sua experiência transcendental diante do quadro de Matisse  direcionava-o a seus quadros de grandes manchas cromáticas que buscavam expressar suas  emoções básicas. 

Outros quadros como "Open window at Collioure" (1905), teriam grande influência na obra de Rothko. Os fortes retângulos verticais de janelas abertas, que direcionam o olhar do espectador e enquadram  a paisagem externa, podem ser vistos nas salas de iluminação controlada do Tate Modern, em  Londres, em "Black on Maroon" (1958) e "Red on Maroon" (1959) - ambos da comissão não completa  para o Four Seasons de Nova Iorque. 

Enquanto Matisse usa as cores em obras mais figurativas, Rothko estaria se aproximando do  abstracionismo. Porém, tal rótulo é negado pelo pintor. Segundo o mesmo, seria impossível fazer  um grande quadro sobre o nada. Buscava-se, em última instância, a esfera subjetiva e emocional. É  neste ponto que os dois pintores se aproximam e se distanciam. Por um lado, Matisse buscava  materializar a subjetividade através da calma e tranquilidade em telas consideradas, pelo próprio,  decorativas. Já Rothko se interessava pelo drama, pela inquietude e pelo incômodo da cor. 

Na obra do pintor brasileiro, o uso da cor colocava-se de uma nova forma. Seja em Em Desvio para o  vermelho: Impregnação, Entorno, Desvio (1967-1984), Fontes (1992) ou Marulho (1997), o  monocromatismo conceitual de Cildo Meireles recorre à noção de permanência, estabilidade e  eternidade, porém, operando no campo da tridimensionalidade. No primeiro, exposto a partir de  2006 em Inhotim, MG, Cildo constrói arquitetonicamente a saturação da cor em relação à matéria no que, ao primeiro olhar, seria sua obra mais próxima às telas vermelhas do pintor francês.  

"Por exemplo, você tem uma garrafa de onde sai uma quantidade enorme de líquido vermelho  (Entorno), que parece ser a explicação para a sala pintada de vermelho, mas o que ela introduz é  a noção de horizonte perfeito que é a superfície de qualquer líquido sem movimento. E na terceira  fase tem um líquido em movimento saindo de uma torneira (Desvio). A pia está inclinada, o que  contradiz a relação da queda d’água, mas o líquido é vermelho, o que nos conduz à primeira sala.  Enfim, a ideia era criar uma circularidade onde uma coisa fosse jogando para a outra, uma fase  jogasse para a outra, mas não explicasse nada."

O curador Frederico Morais compara o trabalho de Cildo Meireles e Matisse no que diz respeito ao "peso e  densidade conferido à cor, compreendendo-a em sua dimensão física e material". Porém, através da  fala do próprio artista, percebe-se que a contemporaneidade de Cildo extrapola o uso da cor pela  cor para estabelecer uma relação crítica com o mundo e o conceito de arte. 

 Os Cut-Outs e a Capela do Rosário

O que pode ser compreendido como a fase final de sua carreira, os "cut-outs" foram uma inovação técnica na arte. Para entender o deslocamento de Matisse da pintura que havia feito por toda sua  vida para os papéis monocromáticos cortados é preciso considerar suas limitações físicas. Após  uma cirurgia aos 60 anos, Matisse encontrava-se em uma cadeira de rodas; o que tornava a pintura  impraticável. Tendo toda sua experiência artística, o pintor egressa em sua nova fase, onde a arte  muitas vezes era executada por assistentes de estúdio, uma vez que "havia chegado em um nível  onde podia dizer o que queria dizer". Isto é, poderia dar instruções a seus assistentes e conseguir  transmitir as mensagens desejadas. 

"Pintar com tesouras", como colocava Matisse era, novamente, pintar a cor pela cor. Basta analisar  o método que era utilizado: primeiro, pintava-se folhas de papel de uma cor única e pura; em  seguida, recortava as formas desejadas para depois prendê-las na superfície da tela ou na parede  com pinos. A composição era feita através da cor recortada em diferentes formas anguladas; às  vezes figurativas, outras, abstratas. Era o equilíbrio harmônico entre as cores, suas proporções,  formas e o espaço branco entre elas. No auge da carreira do pintor francês, a lógica academicista  havia sido totalmente invertida. A cor era o sujeito e a forma, adjetivo; cuja essência reside em signos. Entre 1948 e 1952, Matisse dedicaria sua produção a um projeto que por muitos é considerado sua  obra-prima: a Capela do Rosário, em Vence.


"Qualquer pessoa que entre no espaço e não sente grande emoção é incapaz de sentir.  Tem que ser uma das melhores obras feitas em qualquer lugar a qualquer momento. Teto da Sistine ou Capela de Vence? Eu não gostaria de escolher entre os dois." 

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A frase do diretor do Tate Modern, de Londres, reforça a importância que a obra tem não só no  conjunto da produção de Matisse, mas para toda a história da Arte. A dicotomia entre desenho e  cor está explícita por toda a capela. De um lado, contornos de linha preta (vazios) contra um fundo  branco. Do outro, vitrais que prolongam-se por toda altura do espaço e emanam a luz azul e  amarela dos pares de folha colocados sobre um fundo verde. A ausência do vermelho nos chama  atenção. Para o pintor, não agregaria à serenidade da capela. 

A cor emana dos vitrais para o interior da sala, escorrendo sobre a superfície do chão e manchando  as paredes brancas. Estabelece-se uma relação de total equilíbrio e harmonia entre as partes. O diálogo entre as cores e os desenhos pretos são semelhantes às vinte peças criadas por Matisse  para a série Jazz, em 1948. Porém, na capela, a escala dos vitrais afasta ainda mais o pintor da  execução final da obra. Os estudos produzidos através dos recortes em seu ateliê originam vitrais  impecavelmente executados. 

É no interior da capela que podemos sentir toda a pesquisa cromática de Matisse em sua mais  completa harmonia e calma. A ambiência gerada por todas as partes meticulosamente controladas  por ele - dos vitrais aos azulejos, da cerâmica do piso às roupas dos padres - cativa  inconscientemente e transcende qualquer pessoa para um estado de calma, harmonia e  tranquilidade. O objetivo de Matisse havia sido alcançado em sua plenitude. 


“Eu acredito que meu papel é prover calma,” disse ele em 1950, "porque eu mesmo tenho necessidade de paz.” 

 
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Deslocamento Humano